Todos nós, colorados, assistimos, ao longo do dia de ontem, uma cena que causou profunda comoção entre os torcedores que se acostumaram a ver o time empilhar taças nos últimos anos: o choro de Fernandão, sincero e honesto, foi recebido com rebeldia pelos torcedores que enxergam no eterno ex-capitão colorado o maior símbolo da recente história vencedora do Inter. Rebeldia essa direcionada, em parte, à direção, e em grande parte aos jogadores. As palavras de Fernandão, mesmo que não fossem diretas, deixavam claro algo: a direção temia por um motim que culminaria com uma derrota no último Gre-Nal do ano.
Eis aí, portanto, o primeiro ponto a ser analisado. Acredito que a contratação de Fernandão foi recheada de erros, seja pela direção ou pelo próprio. A começar pela questão ética de Fernandão aceitar ter seu ex-comandado, Dorival Jr., demitido para que ele mesmo assumisse o comando do time. Além disso, a inexperiência do ex-jogador no cargo era fato óbvio. Antes que se faça qualquer comparação com a experiência de Guardiola no Barcelona, é fundamental comentar que o ex-treinador catalão passou por dois anos de experiência em categorias menores antes de assumir o cargo. Fernandão, não. Fernandão foi jogado diretamente aos leões. Sem experiência alguma, foi convocado para assumir um grupo multi-campeão, repleto de jogadores acomodados e medalhões. Tinha tudo para dar errado. E, conforme o ditado, quando de algo não se espera nada, dali é que não sai nada mesmo.
Feita esta primeira crítica a direção, pela escolha equivocada ao escolher Fernandão como treinador, e também ao próprio ex-capitão, pela falta de ética ao assumir tal compromisso, é hora de chegar ao ponto chave desta análise: pode um time, repleto de jogadores da seleção brasileira, argentina e uruguaia, detentor dos maiores títulos do futebol brasileiro na última década, se ver refém de um motim de jogadores pela ameaça de entregar um jogo justamente para seu maior rival? A resposta é um longo e redundante não. Não importa o erro da direção na escolha do treinador, não importa que o mesmo tenha errado ao aceitar o cargo e errado ainda mais quando escolheu expor os problemas de vestiário após o vexatório empate contra o Sport. Em situação alguma é concebível que um elenco formado por nomes do peso como Forlán, Damião, D’Alessandro, Kleber, Dátolo, Bolatti, Bolívar e cia. seja cogitado na imprensa como armador de um complô para entregar um Gre-Nal. Viesse a acontecer ou não, o fato é que o medo do complô era real, como o próprio Fernandão, indiretamente, mencionou ao comentar a fala de Davi justificando sua demissão. Veja bem: o erro da direção foi de administração; o erro de Fernandão foi a inexperiência; o erro dos jogadores envolvidos em tal esquema vai além: é problema de caráter. Colocar interesses próprios acima dos valores da instituição a qual se está representando constitui falha grave de personalidade. E é isso que, de certo modo, causou tal comoção na tarde de ontem. Fernandão, ao chorar em frente aos microfones, escancarou os problemas de nosso vestiário: os valores estão invertidos.
Feita esta análise, é hora de torcermos para que nossa direção, enfim, tome a decisão certa. A saída de jogadores acomodados, mesmo que já tenham sido multi-campeões, é obrigação! É hora de repetirmos 2008. Após a eliminação na Copa do Brasil para o Sport, livramo-nos, pouco a pouco, de jogadores que haviam sido heróis nas conquistas de 2006 (que, diga-se de passagem, assim como está ocorrendo agora, foram acusados de ter entregue o jogo para o Sport após discutir a premiação pela vitória com a direção). Iarley, Fernandão, Alex, Edinho, aos poucos todos estes jogadores foram negociados, pois já apresentavam problemas de ego no vestiário. A solução foi encontrada com suas saídas e a chegada de sangue novo, como D’Alessandro, Guiñazu, o retorno de Nilmar, Kleber e Nei, para citar alguns. Esta reconstrução do grupo nos levou ao bi da Libertadores. Agora é hora de uma nova reconstrução. Um novo time deve ser montado. Ygor, tão citado por Fernandão, é exemplo disso. Sangue novo, exemplo de dedicação em meio a um vestiário ruído. Giovanni Luigi, que tão hábil se mostrou em tantos problemas enfrentados ao longo do ano, deve voltar um pouco suas atenções ao futebol, sua grande dificuldade (lembram o conturbado vestiário comandando por Gallo em 2007? Era justamente Luigi o responsável pelo futebol na época). É hora de reconstruir um plantel que tenha vontade de vencer. Apostar somente em novos técnicos trará pouco resultado a essa altura. É hora de reformular alguns jogadores. É hora de darmos adeus a quem, claramente, não tem mais vontade de vestir a camisa colorada: Kleber, Bolívar, Bolatti, exemplos de jogadores que não precisamos mais. É hora de entendermos que, mesmo que isso nos custe um ou dois anos de resultados mais modestos, novos jogadores precisam ser testados. Acertamos com Ygor e Muriel. Porque não podemos tentar em novas posições?
Existe, desse modo, somente uma solução para um 2013 menos problemático: o início desse processo de reformulação e a contratação de um treinador capaz de lidar com esse processo e que resgate, ao mesmo tempo, tanto o respeito quanto o orgulho de se vestir a camisa colorada. Qualquer semelhança com o processo conduzido por Dunga na seleção após o escândalo de 2006 não é mera coincidência. Sim, o capitão do Tetra é o nome para 2013. Ele resgatou o orgulho da Seleção Brasileira quando ninguém mais acreditava. Ele demonstrou ter domínio de grupo, conhecimento tático e capacidade de construir um ambiente de trabalho harmonioso, voltado exclusivamente para o objetivo da vitória. Sim. Passada a forte carga emocional que envolveu a despedida de Fernandão, é hora de esquecermos a crise e nos voltarmos, o mais rápido possível, para o futuro. Dunga para 2013 pode significar o início da reformulação que tanto precisamos. Para tanto, precisamos contar com uma direção menos omissa no vestiário e que, por favor, comece a agir com a eficiência que ainda não demonstrou em dois anos. Ainda há tempo para planejar um 2013 melhor. Oremos.